A palavra ainda não foi usada, talvez por excesso de zelo. Mas os
relatórios anexados aos inquéritos que investigam Michel Temer já
permitem concluir: na opinião da Polícia Federal, o Brasil é presidido
por um d-e-s-q-u-a-l-i-f-i-c-a-d-o. Tomado isoladamente, esse fato já
seria embaraçoso. Mas há pior: a maioria dos brasileiros concorda com os
investigadores.
No inquérito sobre portos, quebraram-se os sigilos fiscal e bancário de
Temer. Agora, em relatório remetido ao Supremo, a PF diz ter detectato
indícios de pagamento de uma mesada da Rodrimar, empresa portuária, para
Temer. Coisa de R$ 340 mil mensais —verba decorrente de malfeitorias
praticadas no final dos anos 90.
Escorando-se numa planilha que resgatou num inquérito que o Supremo
enviara para o arquivo morto, o delegado Cleyber Malta Lopes concluiu:
“As informações desse inquérito são importantíssimas para a compreensão
do caso atual, sendo possível supor que esquemas investigados hoje
tenham se estabelecido entre 1995 e 2000, quando o então deputado
federal, líder de bancada, Michel Temer, fez as primeiras indicações
para o comando da Codesp [estatal que administra o porto de Santos],
conforme reconhecido por ele nas respostas à PF”.
Em português claro, o que o delegado Cleyber escreveu em seu relatório,
com outras palavras, foi o seguinte: Temer praticava corrupção na década
de 90 e continua cometendo o mesmo crime na atualidade. Se o Supremo deixar, a PF manuseará os contatos telefônicos de Temer. A
polícia já apalpa os extratos bancários e os dados fiscais do presidente
e do seu séquito de amigos. Dias atrás, os investigadores descobriram
algo que elevou o status do coronel João Baptista Lima.
O coronel Lima, como é conhecido o amigo do atual inquilino do Planalto,
movimentou R$ 23 milhões em contas no Bradesco e no Banco do Brasil.
Era tratado como “faz-tudo” de Temer. Para a PF, virou um operador de
propinas destinadas ao presidente da República.
O que transforma o embaraço em tragédia é a constatação de que as
distorções do sistema e as relações promíscuas que imperam na política
tornaram possível que um presidente virasse ex-presidente ainda no
exercício do cargo. Temer apodrece no trono. Encerrado o mandato,
despencará do Planalto direto para a primeira instância do Judiciário. (Josias de Souza)
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