
Em artigo veiculado na edição mais recente de Veja, Fernando Henrique Cardoso analisa as perspectivas para 2017 no mundo e no Brasil. Deu ao artigo um título sintomático: “Futuro Escorregadio”. Em relação ao resto do mundo, escreveu que o ordem mundial estará de tão modo conturbada que o mais adequado seria “qualificá-la como desordem mundial.” Sobre o Brasil, o grão-tucano espargiu no texto mais interrogações do que certezas. Condicionou a recuperação da economia à evolução da política. Tomado pelo texto, FHC não parece otimista.
Anotou: “Que fará o Brasil com a herança dubitativa do ano que termina? 2016 mostrou quanto erramos nos anos anteriores. A profunda crise fiscal, a continuidade da estagnação econômica e as altas taxas de desemprego a que chegamos —frutos dos desatinos dos governos petistas— desenham um quadro de enfermidade que requer UTI. O governo de transição que ora nos rege diagnosticou os males e está tentando um tratamento para retirar a economia da UTI. Conseguiremos?”
Prosseguiu: “Tudo dependerá de quanto avançarmos na área política. O país começa a perceber que a ‘economia do conhecimento’, baseada nas novas tecnologias, cria também uma sociedade interconectada. As novas mídias (para o bem, mas também para o risco) põem em xeque a democracia representativa: os partidos já não ‘representam’ eficientemente a população, e são objeto, junto com o Congresso, de crítica e descrédito crescentes. A nova sociedade criou canais de inter-relação imediata. Para essa inter-relação, que se faz e desfaz, importam mais as ‘causas’ do que os partidos. Nunca circulou tanta informação, mas a maior parte dela carece de averiguação, pois não há curadoria na web.”
FHC enfileirou mais interrogações: “Seremos capazes de inovar politicamente, enfrentando alguns itens da chamada ‘reforma política’? Compreenderemos que ademais precisamos alterar formas de conduta e rever valores? As mudanças culturais demandam tempo, embora haja gestos urgentes para iluminar o caminho do futuro. Nossas lideranças serão capazes de fazê-los? Espero que sim.”
A despeito de tudo, FHC consegue enxergar algo de positivo na conjuntura: “…Fortalecemos as instituições democráticas. Há trinta anos, diante do desmantelamento socieconômico e político em que nos encontramos, estaríamos balbuciando o nome de generias que ‘poriam ordem nas coisas’; hoje não os conhecemos e, em compensação, sabemos de cor o nome dos ministros do Supremo Tribunal Federal e de alguns juízes mais ativos de outras cortes. Um tremendo passo adiante.”
No último parágrafo de seu artigo, FHC escreveu o que espera do futuro escorregadio: “Desejo que em 2017 o governo tenha uma visão estratégica para melhor situar o país no tabuleiro internacional, que as pessoas saibam se posicionar diante dos desafios presentes e revigorem a autoestima. Precisamos voltar a crer em nós próprios, não pretendendo ser mais do que somos, mas não caindo no desânimo. Custou muito construir uma nação com 205 milhões de pessoas. Para mantê-la e expandi-la, precisamos revigorar a crença em alguns valores e ampliar os laços de coesão social. As diferenças entre pessoas e grupos devem ser legitimadas. Mas é importante conviver e dialogar, reconhecer quando erramos, aceitar a diversidade e dar a volta por cima em nome do interesse comum. São meus desejos para 2017.” (com Josias de Souza)
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