Secretário Estadual de Cultura quer impor seu "gosto"
Abaixo, você confere elogiado texto do jornalista Rubens Nóbrega, publicado na edição de hoje do JP:
A Estética IntoleranteA música, entre todas as formas de arte, talvez seja aquela que acumula maior contencioso que ao longo do tempo vem se materializando em perseguições, agressões e tentativas de eliminação, física mesmo, de seus mestres, praticantes e cultores.
A história da humanidade comporta formidável acervo de movimentos repressivos contra as artes e seus artistas, injustamente transformados em vítimas preferenciais da estética intolerante de elites perversas e totalitárias.
Embates desse nível e tipo podem ser encontrados por todo o decurso civilizatório, em todos os cantos da terra, das comunidades mais antigas e remotas aos mais modernosos e cults agentes da nova ordem na Paraíba.
Fui encontrar no Egito Antigo, entre 2635 e 2060 a. C., os primevos sinais de ataques à música e opressão dos músicos, então escravizados e tratados como seres humanos inferiores.
Como resultado do tratamento dispensado por nobres e dirigentes egípcios àqueles artistas, a cultura musical do país entrou em decadência e acentuou a perda de identidade em razão de sucessivas invasões consumadas por gregos e romanos.
A partir desse marco zero, com ajuda do Wikipédia e outros recursos da internet, tentei erigir um cronograma dessa história de música, gêneros musicais e músicos que vêm resistindo e sobrevivendo, apesar de tudo. Ficou assim, como segue.
• Idade Média. No século VI, quando mandava e desmandava a Igreja Católica, o papa Gregório I instituiu o canto gregoriano como modelo musical para toda a Europa e, consequentemente, para todo o resto do mundo colonizado. Durante aquele tempo, muitos que ousaram cantar ou tocar algo diferente do gosto musical de Sua Santidade puseram termo à vida nas chamas das fogueiras da Santa Inquisição.
• Século XVI. Mais uma vez, por questões sobrevindas na esteira da Reforma Religiosa ou da Contra Reforma, a Igreja Católica desenvolve novo movimento repressivo contra as artes e os artistas em pleno Renascimento, retomando a Inquisição com força e publicando o Index, o listão dos livros proibidos que aproveitadores e bajuladores de poderosos da época aproveitaram para estender a outras formas de arte, entre elas a música.
• De 1785 a 1829, candomblés e batuques africanos nas senzalas e quilombolas ‘da Bahia pra cima’ não raro foram reprimidos violentamente por autoridades coloniais ou donos de escravos que mandavam milicianos invadirem e destruirem os ambientes de culto dos negros. Faziam assim porque não gostavam do som, da dança e, sobretudo, da ameaça de rebeliões que intuiam quando constavam o entusiasmo e a ‘perigosa energia’ que emanavam de escravos ou libertos celebrando a vida através da música.
• Década de 30. Na União Soviética, Josef Stalin impõe uma estética oficial de Estado, fixando diretrizes formais, estilísticas e poéticas sob inspiração de um ‘realismo socialista’ contra o qual se bateram vanguardistas de primeira, mesmo marxistas e comunistas de primeira feito Pablo Picasso. Na Alemanha hitlerista, por seus escritos antissemitas e o caráter nacionalista de suas obras, o compositor Richard Wagner foi escolhido pelo próprio Füher como padrão estético musical do nazi-facismo, desprezando todas as demais linhas, tendências e gêneros da música clássica, que considerava indignas do supostamente apurado e elevado gosto do ditador.
• 1930-1945, no Brasil. Há registros de que nesse primeiro ano foi desencadeada em São Paulo uma brutal repressão aos sambistas pelas autoridades, que consideravam cantores, compositores e passistas não mais que vagabundos, merecedores de espancamentos e banimentos eternos por eliminação física. Durante o Estado Novo (1937-45), porém, o regime não apenas tolera como tira proveito e se apropria da arte dos compositores populares para admitir criações musicais que exaltassem o trabalhador devotado inteiramente ao trabalho e em total harmonia com a classe patronal.
• 1964-1985. Do golpe militar à redemocratização, o Brasil assistiu a mais atrabiliária e irascível repressão às artes e a seus artistas, sobretudo àqueles que optaram pelas criações da chamada ‘música de protesto’, de contestação ao regime, de conclamação à resistência das forças democráticas contra o obscurantismo que se instalou em março de 64. Muitas prisões, exílios e censuras depois, somente na segunda metade dos anos 80, nos estertores da ditadura, é que a liberdade voltou a abrir as suas asas sobre nós e nossos ídolos.
• 2011. Na Paraíba, o secretário de Estado da Cultura, o cantor e compositor Chico César, informa em entrevista concedida durante esta semana que o governo Ricardo Coutinho até admite ajudar financeiramente os festejos juninos de cidades que não especificou, mas deixa claro que tal apoio não será dado de forma alguma às prefeituras ou instituições que resolvam contratar bandas que tocam ‘forró de plástico’, ritmos ou estilos assemelhados.
Medo dessas coisas
O tema e a abordagem podem parecer desimportantes para alguns ou muitos que consideram perfeitamente aceitável, salutar, a atitude do secretário e sua rejeição a tudo o mais que não se enquadre no seu gosto ou estilo musical. Esses, tal e qual o doutor Chico César, não escondem que têm horror à música e aos espetáculos de grupos como Calcinha Preta, Aviões do Forró, Banda Encantos, Calypso e tantas outras que fazem enorme sucesso junto às camadas mais populares em todo o Nordeste.
Lamento dizer, embora tenha preferências musicais muito parecidas com as do secretário de Cultura (adoro as música de Chico César, por exemplo): o que ele disse é a mais legítima expressão do preconceito elitista que exclui, rejeita e busca aniquilar tudo que não se enquadra no seu padrão estético, na sua estética intolerante. E fico temeroso porque tal coisa parte de alguém que por sua história pessoal e trajetória artística deveria pugnar justamente pelo contrário. Mas... Fazer o quê? Talvez o medo de que a história se repita na Pequenina como tragédia não me deixe compreender esses valores e conceitos da Nova Paraíba.
O tema e a abordagem podem parecer desimportantes para alguns ou muitos que consideram perfeitamente aceitável, salutar, a atitude do secretário e sua rejeição a tudo o mais que não se enquadre no seu gosto ou estilo musical. Esses, tal e qual o doutor Chico César, não escondem que têm horror à música e aos espetáculos de grupos como Calcinha Preta, Aviões do Forró, Banda Encantos, Calypso e tantas outras que fazem enorme sucesso junto às camadas mais populares em todo o Nordeste.
Lamento dizer, embora tenha preferências musicais muito parecidas com as do secretário de Cultura (adoro as música de Chico César, por exemplo): o que ele disse é a mais legítima expressão do preconceito elitista que exclui, rejeita e busca aniquilar tudo que não se enquadra no seu padrão estético, na sua estética intolerante. E fico temeroso porque tal coisa parte de alguém que por sua história pessoal e trajetória artística deveria pugnar justamente pelo contrário. Mas... Fazer o quê? Talvez o medo de que a história se repita na Pequenina como tragédia não me deixe compreender esses valores e conceitos da Nova Paraíba.
Rubens Nóbrega
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